Evandro Arlindo de Melo
Sacerdote Católico e Professor Universitário
Doutor em Bioética (Teologia Moral)
Graduado em Filosofia, Teologia e Pedagogia
Neste tempo de Pandemia, muitas reflexões estão sendo levantadas nos mais variados sentidos, sendo a principal delas, talvez, o fato de precisarmos ter nestes momentos, posturas e opções, em especial, no que diz respeito a entidades públicas e governamentais, que possam ir além das polarizações ideológicas e politicas, seguindo especificamente o que é estabelecido pela ciência, orientando nossas ações por critérios técnicos. De fato, talvez seja esta a forma mais precisa de como conseguiremos suplantar esta crise pela qual estamos passando, superando a Pandemia causada pelo coronavírus, pela COVID-19, com o mínimo de danos possível.
Diante desse quadro, precisamos reafirmar duas coisas em relação ao conhecimento científico: primeiro, que embora ele não seja a única forma de construirmos conhecimento, não podemos esquecer que existe outras maneiras para chegarmos a Verdade, por exemplo, através do conhecimento filosófico, o que não nos faz esquecer que a Ciência é, em contextos como este que estamos vivenciando, um conhecimento muito mais eficaz e rigoroso, o que nos traz mais segurança das decisões que devem ser tomadas, tanto na esfera pública, como também, na esfera individual; e segundo, que embora a Ciência seja o grande conhecimento que agora devemos levar em consideração, ela não deixa de ser limitada, tanto pela técnica que a desenvolve, que a cada dia se torna efetivamente mais eficaz, como pelo próprio fato de que embora a Ciência em si está isenta de valores e ideologias, os seus pesquisadores não, pois como afirma Hans Küng, um dos grandes pensadores da Ética contemporânea: “Ninguém está acima do bem e do mal”.
Tanto é verdade o que foi anteriormente exposto sobre a limitação da Ciência, que recebemos com muita surpresa a atitude da renomada Revista Científica do Reino Unido, The Lancet, que “despublicou” no início deste mês de Junho, um artigo científico que versava sobre os problemas da utilização da Hidroxicloroquina, que estava fundamentado, pelo menos em parte, as decisões da Organização Mundial de Saúde – OMS. Esta “despublicação” – para além do que esta questão está trazendo de polarizações ideológicas e políticas no Brasil –foi solicitada por solicitação de três dos quatro autores do mesmo artigo, que reviram como equivocada a análise de dados com as quais se embasava as conclusões que a pesquisa em questão havia chegado. Isso mostra que a Ciência também tem suas limitações e que, embora ela seja a grande orientadora para superarmos o mal que agora assola a humanidade, mais especialmente, neste momento, o Brasil e a nossa região do sudoeste do Paraná, onde os casos estão aumentando, é a mesma Ciência que nos dará a cura e a vacina definitiva para o coronavírus, o não nos isente de abrir nossas reflexões para questões que transcendem o ambiente científico.
Por isso, queria propor uma pequena análise sobre uma área relativamente nova do conhecimento, pois nasceu na década de 70 do século passado, e que se chama Bioética. Embora tenhamos muitos elementos que precederam o seu surgimento, é consenso que a Bioética tenha sido efetivada a partir do pensamento de Van Rensselaer Potter, um bioquímico americano e pesquisador na área da Oncologia. Em suas análises com diversos pacientes oncológicos, ele percebeu que as atitudes e a relação que os indivíduos tem para como o meio ambiente, também são causadores de câncer, que o digam o contato com inúmeros pesticidas que são usados em plantações. Entendendo que nem tudo o que é possível, ou seja, tudo aquilo que o conhecimento científico nos proporciona, deve ser realmente realizado e concretizado, Potter publica no ano de 1971 uma obra chamada “Bioética: ponte para o futuro”, onde ele propõe que para que possa haver sobrevivência para a humanidade, é preciso haver uma ponte entre duas grandes culturas da atualidade, a saber, a das ciências ligadas a área da saúde, com a das ciências humanas, ou seja, uma ponte entre o conhecimento científico no campo biológico, com a reflexão e a postura ética.
De fato, recorrendo à grande tradição dos filósofos que refletiram sobre a Ética, Potter é enfático em dizer que sem a mesma, não pode haver um futuro para a humanidade, por mais que a Ciência possa trazer a solução para diversos de seus problemas. Podemos dizer que ele segue a tradição de grandes pensadores da história da Filosofia, bem como outros mais atuais que defendem esta postura, e que aqui só vamos rapidamente pontuar alguns deles, pela falta de possibilidade de aprofundá-los.
Vem corroborar o pensamento de Potter, por exemplo, o alemão Imanuel Kant, grande filósofo do embasamento da Ética, quando afirma que: “A pessoa humana sempre é um fim, jamais um meio”, ficando ainda mais claro esse posicionamento, quando explicitamos que para Kant, é preciso separar o que tem preço do que tem valor, e a pessoa é sempre um valor, ela sempre deve ser respeitada e protegida.
Outro filósofo, também alemão, que podemos referenciar e que corrobora o pensamento de Potter, é Hans Jonas, que publicou dois livros já traduzidos para o português, intitulados respectivamente de “O princípio vida” e de “O princípio responsabilidade”, onde estabelece o cuidado com a vida dentro da perspectiva da solidariedade e do cuidado com o ser humano e com o meio que o cerca, sendo que para o autor, todos os homens e mulheres são responsáveis pela herança que deixarão para as futuras gerações.
Por fim, convém citar um pensador brasileiro, Ricardo Timm de Souza, que explicitamente faz uma reflexão sobre a importância da Ética diante do conhecimento científico, uma vez que o mesmo estabelece uma analogia interessante desta relação, afirmando que a Ciência nunca é neutra, e que se ela não for limitada pela Ética, ela se torna também perigosa, podendo ser comparada com o fato de soltar um animal feroz dentro de uma sala com inúmeras obras de arte, sendo o animal vai tentar escapar, mesmo que para isso, destrua todas estas mesmas preciosidades.
O que se pontua com tudo isso, não é que devemos menosprezar a Ciência e a técnica, ao contrário, pontuamos no início desta reflexão que este conhecimento é justamente o mais rigoroso e eficaz e é o que vai trazer, com todo a propriedade, a solução do problemática que a Pandemia está causando, seja pelo desenvolvimento de um remédio para a COVID-19, seja pelo desenvolvimento de uma vacina contra o coronavírus.
No entanto, o que agora pode ajudar a nossa sociedade, é justamente ter uma postura efetivamente Ética diante de toda essa realidade. Isto porque, se agirmos eticamente, antes de tudo, com certeza consideraremos seguir as proposições técnicas e científicas corretas, e não manteremos posturas ideológicas e políticas que só atrapalham a solução dos problemas, tornando o que é um drama para toda a humanidade, uma tragédia para pessoas, famílias e comunidades, uma vez que aumentam o número de contaminados, de mortos e de atitudes corruptas e de irresponsabilidade por parte de governantes, mas também, de indivíduos de caráter questionável, que não se preocupam com o bem estar dos demais.
Por outro lado, agindo eticamente, tomaremos atitudes de responsabilidade em relação ao outro, como queria Hans Jonas, respeitando-o como fim, como queria Kant, através do uso de máscaras, não realizando aglomerações, realizando o distanciamento e, se necessário, o isolamento social, tomando assim os cuidados que ajudarão não só a não nos contaminarmos, mas também, a não contaminarmos os outros, o que se torna, poderíamos afirmar assim, uma verdadeira “vacina” contra a proliferação do coronavírus.
Para concluir, e seguindo o que acabamos de pontuar e o título desta reflexão, a atitude Ética foi, é e sempre será, a grande “vacina” para evitarmos, ou pelo menos minimizarmos, os danos da Pandemia pela qual estamos passando, mas também, para evitarmos futuras Pandemias, bastando lembrar que essa nasceu pelo consumo de animais exóticos. Talvez, se tivéssemos uma postura Ética mais apurada,seja em relação aos seres humanos, ao ambiente que nos cercam ou para com os animais, teríamos evitado tantos problemas pelos quais estamos passando.
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