Estou cada vez mais estarrecido. Ontem um amigo me contou um fato que me deixou triste e pensativo. Vou lhes narrar, conforme ele me confiou...
Chegara a casa, cansado do trabalho, passava da meia-noite. Dirigiu-se para o banheiro, tomou seu banho quente, para se aquecer dos últimos resquícios do frio deste ano. Vestiu seu pijama e foi à cozinha. Abriu sua geladeira, onde encontrou uma panela com o que sobrava do arroz, do feijão e de um pedaço de bife, do almoço. Pôs a esquentar em seu fogão. Enquanto esperava, ligou a TV para assistir ao noticiário noturno.
Enquanto assistia as últimas notícias, mexeu o seu jantar, provou-o e serviu-se. Estava pronto para ser degustado. Sentou-se à mesa no mesmo instante que ouviu palmas serem batidas ao lado de fora de sua casa.
Assustou-se. Não era comum por ali, àquela hora da noite, alguém bater palmas em seu portão. Assustado, pensando que poderia ser um assaltante (Eles batem palmas? Pensei), abriu sorrateiramente um pedaço da janela da cozinha e qual foi seu susto ao observar que ali estava uma criança, um menino que não tinha mais de dez anos de idade, minguado, raquítico, trêmulo de frio.
_ O que você quer a essa hora, menino? – ele perguntou.
_ “Tô” com fome, tio – o menino respondeu.
E ainda disse que só havia comido no dia anterior. Meu amigo então, mesmo faminto, olhou para a sua mesa. Foi até ela, despejou o jantar não tocado em uma vasilha e resolveu lhe dar todo para o desconhecido infantil. Foi nesse momento que se lembrou de um velho casaco, de um sobrinho, que passara um tempo com ele, que estava em seu quarto. Foi até lá e o pegou. Ao voltar para a cozinha, seus olhos bateram em um cacho de bananas na fruteira. Colocou tudo em uma sacola plástica, mais uma garrafinha de água e tomado de coragem saiu noite adentro para entregar ao menino aquele jantar, com sobremesa e tudo.
O menino pegou, agradeceu, e sim, sentou-se ali na calçada fria mesmo, vestindo o casaco, para se alimentar. Agradeceu novamente e pôs-se a comer.
Eu ouvi esse relato em silêncio. Não esbocei reação alguma. Quando ele terminou de me contar, eu estava sem reação. Fiquei consternado pelo menino. Pelo país. Pelo mundo. Essa situação ocorreu a um garoto qualquer. Mas ocorre diariamente em nossas cidades, com tantos outros meninos e meninas. Com jovens e adultos. Predestinados a passar fome e frio. E aí eu penso na consciência da classe, nas divisões de classes. Penso na falta de oportunidades para todos, na falta de emprego e moradia digna.
Despedi-me do meu amigo e vim para casa. Aqui estou a relatar esse engasgo, pois sim, ficou entalada em minha garganta a história que ele me contou. E o pior de tudo, que o máximo que estou fazendo é digitá-la para que todos a conheçam. E sei também que este assunto é manjado, já o tratei aqui... da outra feita, podia ter feito algo, não o fiz. Desta vez, também, mas continuo apático, quieto e calado, sem nada fazer. Aliás, calado não, pois quem sabe alguém que leia essa crônica se consterne com esse menino e faça algo para acabar com a fome do nosso planeta?
Rodrigo Toigo